quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Recalque capitolino

(Este post foi escrito há muito tempo e ficou esquecido ali nos rascunhos. Só depois de publicar o post anterior, falando praticamente a mesma coisa, percebi que já tinha escrito algo parecido. Mas decidi publicar apenas pra mostrar de quantas maneiras diferentes consigo falar mal da terrinha)

Do fim de 2012  até hoje foi um loooooongo caminho, tanta coisa aconteceu, mas vou resumir numa frase com uma onomatopéia no final: voltei a morar em Capitolio, fuéin.

Se você não sabe, é onde nasci e vivi até sair pra morar em outro lugar quando passei na faculdade. É também o lugar de onde passei 17 anos querendo sair. Pois é.

Imagine a alegria (só que ao contrário) de voltar. Não só por ser um lugar do qual eu nunca gostei, mas também por ser um enervante exercício de encarar o tipo de pessoa que eu fui, de quem não tenho orgulho nenhum (exceto pelo potencial para vida loka na adolescência - sdds batom preto). Todos os dias vejo pessoas falando ou fazendo as maiores bizarrices do mundo e eu SEI que eu já fui essa pessoa, eu sei que tive muita sorte de sair pro mundo e abrir a cabeça, porque enquanto eu estava aqui, mesmo já sendo uma leitora compulsiva, nem a fina flor da literatura me impedia de só pensar e agir dentro da caixinha escura e apertada que chamarei de zeitgeist capitolino. Talvez não seja a palavra mais adequada, dado que zeitgeist é o espírito do tempo, e em se tratando de Capitólio é mais adequado falar de um espírito do tempo TODO, porque nada.muda. Nunca. É sério. Eu morei fora quase 20 anos, e as pessoas continuam fazendo as mesmas coisas, falando sobre as mesmas coisas. É uma curiosa jornada no tempo escutar meu filho adolescente repetindo as mesmíssimas gírias idiotas que eu falava. É claro que não faz tanto tempo assim que fui adolescente, mas veja, tem toda uma revolução social aí no intervalo, e nem a internet, que conseguiu transformar todo o fucking planeta, não mudou nadinha o zeitgeist capitolino. Ao menos não se pode dizer que não seja uma cidade exemplar no quesito "inabalável convicção em seus valores", não é?

Eu confesso que observo tudo de longe e que não faço nenhum esforço para me adaptar. Não vai dar, sabe? Sou filha da terra e tenho uma inabalável convicção de que tenho que correr pras montanhas o mais rápido possível. E que montanhas, viu? Temos muitas por aqui, que junto com o lago de Furnas fazem da paisagem local um maravilhoso cenário. E agora que a cota de elogios foi preenchida, voltemos à programação normal.

Podem me chamar de covarde, ingrata e o que mais acharem adequado, dizer que é muito feio eu falar mal do lugar onde nasci, que me acolheu e bla bla bla whiskas sachê, mas o fato é que não gosto, não sou obrigada, não me adapto e não sou a boazinha do sul de minas que contemporiza e diz que temos que valorizar a cultura localzzzZZZzzroinc. A cultura local entre os adolescentes, por exemplo, é chamarem-se de viado: "ei, viado, você vai no treino hoje?" "nó, viado, esqueci de trazer meu caderno, me empresta uma folha?" "vamos jogar FIFA, viado?". Adorável, né? Igualmente encantador é a prevalescência de 2 assuntos: quanto custou e onde comprou. IN-CRÍ-VEL, mas 99% das conversas giram em torno de grana ou de aquisições materiais. Eu dificilmente compro algo que não seja comida, então não tenho tido muito assunto. Ninguém quer falar sobre feminismo interseccional comigo, sobre o aumento do número de pessoas adeptas de relações livres ou sobre as possíveis dicas que o Martin dá ao longo das Crônicas de Gelo e Fogo, por isso eu sou grata por ter internet e livros. Estou me refugiando na bolha? SIM, por motivos de: evitando aborrecimentos decorrentes de estapear as pessoas na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Agora que destilei todo meu ódio desabafei, vou contar uma conversinha que ouvi hoje entre duas pessoas, tá fresquinha na memória:

- Fulana, você viu o que a Coisinha escreveu no facebook do Coisinho?
- Não, o que foi?
- Ela disse que agora está feliz, porque há algum tempo chegou a terminar com ele, mas que depois de um tempo ele ligou dizendo que ela fazia falta e ela percebeu que sentia o mesmo, e que a sorte sorriu pra ela porque decidiram voltar.
- Nossa, foi? Foi bonito o depoimento?
- A nem tanto, mas ficou feio pra ele, né?
- Como assim feio?
- Uai, ela ficou como a gostosona que terminou com ele e ele fazendo papel do bobo que correu atrás dela, né? Se fosse outro ia matar a Coisinha, imagina, falando lá que foi ele que foi atrás dela.

Daí eu parei de prestar atenção porque estava ocupada recolhendo meu queixo do chão.

Poucos poemas representam tanto o zeitgeist capitolino quanto Confidências do Itabirano, do Drummond. "Este orgulho, esta cabeça baixa", "oitenta por cento de ferro nas almas e esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação". Somos 80% ferro, e 20% pedra. É vergonhoso gostar de alguém e pedir pra esse alguém voltar. É esquisito ser terno. É tão absurdo e não usual um elogio ou uma demonstração de carinho que, quando é feito, há sempre a desconfiança que na verdade estamos "nos fazendo de gostosas". Esta pequena conversa entreouvida com assombroso espanto não deveria me impressionar, porque sempre foi assim. Não demonstramos nosso apreço pelas pessoas. Elogios só são permitidos se direcionados a mulheres e se referirem-se apenas à aparência. Nunca se diz a uma amiga o quanto ela é companheira. Não se diz ao colega que ele é brilhante. Não se diz à criança que ela é incrível e maravilhosa e que um dia vai crescer e se tornar cientista.

Daí eu lembrei da tristeza que foi ser uma criança devoradora de livros em uma cidade que não dá a mínima pra livros. Eu fui pra escola mais cedo do que devia porque eu era LOUCA pra aprender a ler. Eu aprendi a ler mais cedo que a maioria porque eu não suportava não saber o que estava escrito nos gibis. Eu saía escondida na hora do recreio pra ir pra biblioteca da escola e quando a bibliotecária descobriu, me proibiu de voltar. Eu era uma péssima jogadora de queimada, pique-esconde ou de qualquer outro jogo infantil, mas eu era uma excelente leitora, e por isso eu era bastante inteligente, mais que a média. Mas nunca, JAMAIS em minha infância me lembro de ter ouvido elogios quanto à minha curiosidade e inteligência. Eu era apenas a última pateta a ser escolhida pro time.

Levei muitos anos tentando desfazer o mal que estava feito, e obviamente não consegui. Por isso me tornei essa pessoa cruel e mimizenta, que fica falando mal da cidade onde nasceu e julgando os conterrâneos. Bem, eu disse que a cidade é cheia de defeitos, né? E também disse que sou filha da cidade. Uma filha que ama a mãe e lhe deseja tudo de bom, mas que prefere vê-la de longe, beeeem de longe.

Já dizia o sábio Mussum: Keanu Reeves.

Um fato notório sobre mim é que eu leio muito. Do tipo viciada mesmo, que tem crise de abstinência. É um traço da minha personalidade, que devo creditar mais à infinita curiosidade sobre tudo que é como um buraco negro me consumindo do que à questão cultural.
Ser uma grande leitora sempre foi motivo de orgulho, afinal é um hábito excelente e o pouquinho que domino da escrita e da correção gramatical deve-se muito mais aos livros que aos bancos da escola. Se alguém me perguntasse o que mais admiro em mim, seria isto. Ler muito talvez seja a principal característica positiva em mim. Quiçá a única.

Mas aí que toda essa disposição pra ler não é nada, não diz nada. Não é motivo de orgulho porque é apenas uma forma de preencher um vazio, uma forma de querer viver outras vidas, ter outras sensações, sentir outros gostos. Não sei se tenho idéias, desejos ou objetivos meus, me pergunto se não estou constantemente assumindo personalidades de histórias que leio, se não estou desejando o que eles desejam, se não sou tão insípida a ponto de não conseguir ter um pensamento realmente meu que não tenha vindo de alguma história lida. Ou se, por outro lado, tenho muito de meu, mas que está sendo varrido pra debaixo do tapete da literatura porque, bem, não é algo que queiramos mostrar às visitas.

O que me deixa de fato espantada é pensar que, meu deus, tanta leitura para eu ser esta pessoa, pra eu ter esta vida! O que tanta leitura me trouxe? Para estar aos 34 anos tentando ter um foco na vida profissional - o que deveria ter feito há 15 anos atrás. Para continuar acreditando que o universo magicamente dará um jeito nas coisas e tudo vai dar certo (COMO???). Para seguir correndo atrás de coisas que quero fazer sem ter o menor compromisso com a realidade. Planos baseados em... nada. Nenhuma base na realidade atual que possa ser usada como plataforma para outros vôos. Um sub-emprego cuja única utilidade prática é pagar (parte) das contas. Planos, esperanças e projetos firmemente ancorados na minha ilusão. Exatamente como há 15 anos atrás, mas desta vez sem a desculpa da juventude e inexperiência. Pois é, eu devia ter aprendido, se não nos livros, ao menos com a vida. Mas por que cometer apenas um erro se posso passar a vida inteira fazendo escolhas idiotas?
A maior delas, sem dúvida, foi decidir voltar a morar em Capitólio. Veja, eu morei aqui por 17 anos. Eu só não nasci aqui porque na época o hospital mais próximo era na cidade vizinha. Eu sabia exatamente o que me esperava, mas ainda assim, eu vim. Eu achei que seria interessante pra família como um todo, e eu tenho certeza que meu subconsciente estava dançando a macarena enquanto paria 5 filhos coloridos na tentativa de chamar minha atenção pra magnitude da merda, gritando NÃOOOOO SUA LOOOOKA!!1!!!!11! Mas ali estava eu, diante de uma grande oportunidade de quebrar a cara, como não aproveitar?
Capitolio, pra quem não conhece, é tão bonitinha... a cidade pequenininha, com uma praia artificial, um condomínio na beira do lago de Furnas chamado Escarpas do Lago que funciona como um centro magnético atraindo coxinhas num raio de 500km, montanhas e cachoeiras belíssimas que desaguam no Lago de Furnas e formam uma paisagem única. É lindo, mas é uma bosta. Porque fazer turismo é ótimo, mas vai viver naquele lugarzinho adorável e pitoresco pra ver o que é bom, vai!
Desde que eu era uma adolescente sem noção, preocupada em como encher a cara gastando o mínimo possível, nada mudou. NA-DA. As pessoas continuam falando sobre os mesmos assuntos, curtindo os mesmos rolês, ignorando acintosamente toda e qualquer manifestação cultural vinda de fora (exceto os bordões da novela das 8 e dos locutores de rodeio), julgando os mesmos comportamentos dos vizinhos, não acreditando em diversão sem álcool, tratando o padre como se ele fosse um santo reencarnado, preocupados em ter um carro melhor que o do colega e falando as mesmas gírias dos anos 80. Sério, gente, meu filho um dia chegou em casa falando vapo* e eu quase tive um infarto porque 1-odeio esta palavra e 2-porra, 20 anos depois, a mesma gíria? Seriously?

Uma única coisa boa aconteceu neste ano: comecei uma pós. E só. Mas sendo eu um caso de polianismo patológico, diria que foi bom perceber o quanto eu evoluí depois que saí daqui, o quanto eu não perdi ficando longe e que, aos 34, voltei a ter uma meta principal na vida (que é uma reprise da meta dos 16): preciso sair deste lugar RÁPIDO! Porque metas de vida de pessoas adultas, tipo trocar o carro, passar em um concurso, comprar uma casa, viajar nas férias, estas não são pra mim. Como poderia planejar tais coisas se minha idade mental estacionou nos 15?
Então voltando ao começo: Eu, tão orgulhosa das minhas leituras. Eu que sou tida como uma pessoa inteligente e culta. Eu, que nem sei quantos livros li na vida. Eu, que escrevo razoavelmente bem. Eu, que já estudei História da Arte, da Educação, Urbanismo, Filosofia, Sociologia. Eu, que manjava dos paranauê de Autocad. Eu, que sei quem é Bourdieu, Foucault e Keynes. Eu, que todos os dias visto meu uniformezinho e vou trabalhar em um emprego que eu morria de medo de ter na adolescência, cujo desafio intelectual é zero, cuja capacidade criativa exigida é zero, cuja escolaridade necessária é o ensino médio e cuja remuneração é igual a 1 salário. Eu, esta pessoa inteligente e culta. Imagina na copa se fosse burra!

Tentarei com todas as minhas forças esquecer que existiu 2013, mas sei que ele ficará indelevelmente marcado como o ano da Grande Volta Por Baixo. É uma pena que não tenha sido instituído o prêmio Nobel da Autossabotagem, a esta altura eu já seria hors concours

Esperanças para 2014? Sempre. Alguma perspectiva real de ser um pouco melhor que 2013? Nenhuma.

* Vapo é uma interjeição que transmite a idéia de surpresa e/ou indignação, por exemplo: "Fulanim, vc quer comer esta torta de jiló azedo?" "váaapu, nem morto!".

terça-feira, 26 de março de 2013

Por que escolhi a educação


Há algum tempo escrevi este texto para submetê-lo à avaliação visando uma vaga num curso de pós-graduação. Depois caí na real e percebi que tinha feito um post, e não o texto nos moldes solicitados, e escrevi outra coisa. Claro que não passei na pós (até passei, mas numa classificação beeeem longe), mas não sei por que mantive este textinho aqui guardado. Reli e achei que ele fala tanto sobre um processo de mudança por que passei, que decidi publicar. 

Uma das primeiras e mais importantes decisões que tomamos na vida, ainda na juventude, é a escolha de uma carreira a seguir. Geralmente este importante passo rumo à vida adulta é dado de forma insegura, permeado por dúvidas, incertezas e desconhecimento tanto das peculiaridades das profissões apreciadas quanto de nossas características pessoais que deveriam ser consideradas. Soma-se a este já complicado momento a pressão para ter um bom desempenho no vestibular e a velha dúvida entre ganhar dinheiro sendo um profissional de status ou ter satisfação pessoal com uma carreira pouco reconhecida, e então temos variantes suficientes para dificultar de forma sobre-humana a tarefa, tornando-a algo comparável a um dos doze trabalhos de Hércules.
Eu, que não sou filha de Zeus, infelizmente não consegui triunfar em minha tentativa. Uma limitadíssima visão de mundo, que nem o vício em literatura conseguiu corrigir, me impediu de enxergar o que era notório desde a infância: o amor pelos livros, a incessante curiosidade e o especial apreço pelos professores eram importantes pistas a indicar um caminho. Ainda assim, eu não enxerguei. Mais do que isso: eu não quis enxergar.
Durante toda a infância e adolescência, morando em uma minúscula cidade do interior de Minas Gerais, observando o desenrolar da vida das pessoas e a perspectiva sexista de carreiras a seguir (homens: fazendeiros, mulheres: professoras), quis fugir dos destinos pré-determinados de acordo com o gênero e decidi não voltar a viver ali. Assim, escolhi uma carreira que, segundo minhas observações, não teria futuro naquela cidadezinha: arquitetura. No final dos anos 90, não havia nenhum arquiteto por lá. Certamente, eu pensava, é uma profissão muito sofisticada para um lugar tão simplório. Se eu me tornasse arquiteta, não teria como voltar a morar ali, pois não teria trabalho. Sendo assim, profissão escolhida.
Não posso dizer que a escolha foi de todo ruim, porque estudar História da Arte e conhecer a vida e as obras de mestres como Van Gogh e Gaudí foi mais que uma dádiva para a garota de horizontes limitados que eu era. Mas aprender a desenhar e a lidar com as técnicas de perspectiva e ergonomia foi o choque de realidade necessário para entender que eu tinha feito a escolha errada.
Alguns anos de trabalho em profissões genéricas para as quais não era necessário muito talento, a decepção com um mercado de trabalho cujos valores ignoram e massacram a figura humana como sujeito que pensa, sente e sofre, além de um período de profunda reflexão e autoconhecimento após uma demissão foram a base necessária para que um novo caminho começasse a se delinear. Um caminho onde minhas leituras e curiosidade natural não fossem ignorados ou desvalorizados. Um caminho onde meu conhecimento e visão de mundo (a esta altura, já bastante ampliada) pudessem atuar de forma a ampliar os horizontes de outras pessoas. Um caminho que me permitisse lançar sementes para que um futuro melhor seja possível. Este novo caminho, finalmente enxerguei, era a educação.

E assim, estou aqui, não abandonando o sistema, mas tentando ser aquela pecinha defeituosa que insiste em desestabilizar a máquina, parafuso por parafuso.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Quem me viu, quem me vê

Confesso que leio horóscopo. Eu sei, não faz sentido, a ciência já cansou de provar que não há nada que comprove a relação dos astros com nossas vidas e que é uma contradição uma atéia humanista ler horóscopo. Mas veja bem, eu disse que leio, não que acredito. É um guilty pleasure, me faz bem ler sobre o que vai acontecer comigo, ainda que eu não creia que vá acontecer de verdade.
Coincidência ou não, algum tempo atrás li que a passagem de Saturno pelo meu signo era o prenúncio de um período difícil e cheio de aprendizado, que começaria em outubro de 2009 e terminaria em outubro de 2012. Preciso dizer que foi um período difícil e cheio de aprendizado? Neste intervalo, tomei consciência da exploração a que era submetida no trabalho, me revoltei, mudei de casa, me endividei consideravelmente com a mudança, paguei as dívidas, fui demitida do emprego, passei em 2 vestibulares e voltei a estudar. Claro que não deixei de ser a loser de sempre, neste quesito não houve nem um milímetro de mudança, mas fala se não foi um chãozinho que andei? E tudo isso pra dizer que mudança, mudança meeeeeesmo, foi do lado de dentro. Nada se compara ao caminho percorrido internamente que me fez repensar a vida, o universo e tudo mais (Douglas Adams diz que a resposta é 42). Apenas com a ajuda da internet, de blogs e pessoas dispostas a interagir com outras pessoas para divulgar e debater suas idéias pude  me transformar completamente, algo comparado à mudança proporcionada por fazer uma faculdade pela primeira vez. Não sei se Saturno tem algo a ver com isso, só sei que foi assim.

Tudo começou quando saí do emprego me sentindo lesada e injustiçada, com ódio de algumas pessoas que fui obrigada a aturar, desejando que um meteoro caísse bem no meio do escritório e matasse todos esturricados. Eu não parava de pensar naquelas pessoas, queria esquecer e pensar em outra coisa, mas não conseguia, mesmo sabendo que aquilo estava me fazendo mal. De longe, comecei a entender que o sistema doentio a que estávamos submetidos estava entranhado, e tudo que eu achava ridículo nas pessoas de lá estava sendo reproduzido por mim. Eu estava contaminada.

O primeiro passo foi reconhecer que eu tinha me tornado uma pessoa ruim. Não foi o ambiente que me transformou, eu estava sendo este tipo de pessoa há mais tempo, era resultado de minha alienação, falta de reflexão e de senso crítico. Muita leitura da Veja, total ignorância dos privilégios que tinha e uma infinita e desavergonhada disposição para julgar os outros. A arrogância não me deixava enxergar o quanto eu era limitada, o quanto apenas vomitava preconceitos e senso comum achando estar sendo A Pessoa Crítica.

O vetor de tantas mudanças foi o feminismo. Graças ao blog da Lola, depois a um grupo no Facebook que foi criado a partir de leitoras da Lola, e a muitas feministas que escrevem seus blogs para ajudar tantas pessoas a conhecer e a entender melhor o conceito de igualdade. O feminismo, para mim, foi um grande divisor de águas porque me deu uma visão mais crítica não só a respeito do sexismo, mas também da homofobia, do racismo, e de todos os preconceitos em geral. Combater um preconceito te deixa com olhos treinados para enxergar os outros. Além disto, questionar o status quo melhora a capacidade de analisar criticamente os fatos, o que significa poder compreender melhor as "entrelinhas". Nunca nem pensei em criticar o capitalismo, nem em discutir política ou questionar as informações que chegam a mim através da grande imprensa, mas não é que acabei me aventurando por estes caminhos? Agora já não consigo ler a Veja sem dar risada ou me revoltar, porque o que antes eu julgava imparcial, hoje vejo claramente que não só é parcial como chega a ser criminoso (vide relações nebulosas da revista com o Cachoeira). Para mim, não dá mais pra viver dibouas, sem me revoltar, porque agora tenho olhos para ver e cérebro pra processar. É como diz aquela famosa frase da Gloria Steinem: a verdade te libertará, mas antes ela vai te enfurecer.

Por conta de todas essas reformulações, ler tudo que eu escrevi aqui antes, perceber meus antigos preconceitos tão escancarados não é nada fácil. Pensei em apagar tudo, desativar o blog e começar outro do zero. Depois pensei melhor e resolvi deixar tudo como está. Quero me lembrar desta mudança, quero poder entender como eu pensava, quero que as pessoas possam perceber como alguém preconceituosa, reaça, elitista, caga-regra, machista e homofóbica pode mudar, pode repensar seus atos, reavaliar suas crenças, seus valores e suas atitudes para com os outros. Não me orgulho de quem eu era ou de como pensava. Mas me orgulho de ter conseguido evoluir a partir de minhas próprias reflexões e inquietações, me orgulho de conseguir entender um pouco melhor o mundo ao meu redor e principalmente, me orgulho de continuar perseverando neste exercício diário que é tentar ser alguém melhor.

Há alguns dias, alguém que amo muito me questionou sobre a militância, disse que por mais que eu seja "radical", a sociedade não vai mudar. O que respondi: "mas eu não quero e nem posso mudar a sociedade. Não tenho esse poder. O que eu quero é mudar uma pessoa. Se esta pessoa puder aprender comigo e mudar, talvez ela consiga mudar mais alguém, e este alguém consegue mudar mais outro... Não dá pra mudar a sociedade, dá pra mudar as pessoas, e este é meu objetivo."

Então continuarei por aqui, com a mesma vida de dona de casa sofrível normal, mas agora com um plus a mais: uma causa.

PS - Vou escrever alguns textos para este blog lindo chamado Mulheres Notáveis, espero que meus 1,5 leitores acompanhem (eu costumava ter 4, mas agora que sou feminista eu espanto as pessoas. Feminismo, fazendo você se sentir como o Godzilla desde o século XIX). Minha estréia: Lina Bo Bardi. Não deixem de ler tudo, é muito bom!



terça-feira, 24 de julho de 2012

Leituras de férias

Foram muito pobres em quantidade, mas riquíssimas em qualidade. Três livros, três clássicos (na minha humilde opinião), em ordem de leitura.

O Aleph, Jorge Luis Borges - quis ler o livro todo porque, além de ser essencial e blablabla, tenho uma história relacionada ao primeiro conto, O Imortal. Quando estava no primeiro período da faculdade de Arquitetura, o professor de História da Arte nos mandou ler o conto e fazer uma maquete representando a cidade citada nele. Eu não sabia nem por onde começa uma maquete, ainda mais de uma cidade toda surreal, com escadas inversas, janelas inalcançáveis, corredores sem saída e um labirinto de pedras. Não me lembro muito bem das reuniões pra decidir o que fazer, mas acho que, para mostrar melhor os detalhes, resolvemos fazer a maquete numa escala grande, e ela ficou muito, mas muuuuito grande. Teve que ser levada na caçamba de uma camionete, e ganhou o delicado apelido de Maquetauro. No conto, o personagem classifica a arquitetura da cidade como interminável, atroz, completamente insensata; baseada nesta visão, creio que nossa Maquetauro cumpriu bem seu papel. Eu deveria ter me tocado ali que arquitetura, enquanto profissão, não ia me servir, mas né, e o medo de voltar pra Capi City e nunca mais sair? E como abandonar as deliciosas aulas de História da Arte? Enfim, voltando ao livro, além do primeiro conto, que eu adoro, amei "A casa de Astérion", surpreendente, "Emma Zunz", uma espécie de Nina/Rita, e o conto que dá título ao livro. Acho que ainda não sou a leitora super bem preparada para quem o Borges escreve, mas isso não me impediu de apreciar o livro.

o remorso de baltazar serapião, valter hugo mãe - O escritor que aboliu as letras maiúsculas me pegou de jeito neste livro, o segundo dele que leio. É fácil perceber a influência de Saramago pela oralidade que o marca a narração. Foi difícil ler, a história é quase tão chocante como "O ensaio sobre a cegueira". A saga da família sarga, tão azarada, e a misoginia absoluta que permite aos maridos arrancar pedaços do corpo de suas mulheres, mistura-se à uma linguagem que inclui neologismos Guimarães Rosa inspired (bjo, blogueiras de muóda!). Um nó na garganta, o reconhecimento triste de que o que houve de mais cruel na história poderia ter acontecido hoje, agora, neste mundo real. Ao contrário dos outros lutos literários, que exigem um tempo sem outro livro para serem processados, este me exigiu o recomeço imediato de outra história, para não sucumbir. Como quem precisa de um gole de cachaça após botar na boca o limão mais azedo. A cachaça escolhida foi uma novinha, premiada:

A visita Cruel do tempo, Jennifer Egan - Gen.te. (Ela disse Gente!!, diriam Fred, Dafne, Scooby e Salsicha). Não é a toa que deram o Pulitzer pra Jennifer Egan. Eu sabia que ia gostar, desde que li sobre o debate dela com o Ian McEwan na FLIP, e que ele foi todo elogios para ela. Mas não sabia que ia gostar tanto. Para contar a história da passagem do tempo na vida dos personagens, ela escreve vários contos entrelaçados, ora escritos em primeira pessoa, ora em terceira. E, sem querer babar muito o ovo, mas já babando, ela conseguiu escrever um em segunda pessoa, tsá? Tem um capítulo inteirinho escrito em Power Point. Tem muita música sendo citada (afinal, um dos personagens é um produtor musical responsável pelo lançamento de uma banda de rock de sucesso). E tem eu tentando pateticamente descrever um livro incrível. Não acreditem em mim. Acreditem nos jurados do Pulitzer, e principalmente no Ian McEwan, um escritor foda. Um livro delícia, cujo único defeito é ter só 336 páginas. Jennifer, amigam, vamos deixar a preguiça de lado e escrever umas 600 paginas? Liga pro George R. R. Martin e pede umas dicas, fazfavô?

E assim acaba meu período de recesso do Facebook. Ou não, que já encomendei uma toalha LINDA pra eu bordar. Como eu disse no post anterior, eu sei bordar. Já fazer maquetes, fica pra próxima encarnação. Pra próxima depois da que vem agora, assim que eu morrer. Porque em seguida quero ser rycah, não arquiteta, ok, produção?

PS - eu tenho imagens da saudosa Maquetauro, mas vou poupar minhas colegas, hoje arquitetas famosas, chiques e elegantes, de ver a derrota que foi nosso início de carreira. Que fique claro que a derrota delas foi só esse pequeno entrevero no início da carreira, hoje elas são só sucesso. Quanto a mim, a derrota do início é companheirona, do tipo BFF, tamu junto.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Uma causa? Temos também!


O que uma perfeita dona de casa faz nas horas vagas (vamos supor que sim, há horas vagas no serviço doméstico)? Borda, faz pintura em tecido, aproveita pra anotar as receitas da Ana Maria Braga? Então, era pra eu estar bordando, mas né, a palavra "perfeita" não faz parte do título desse blog. Não que eu não seja capaz, para seu conhecimento. Meu ponto-de-cruz tem o avesso perfeito e é tão bem arrematado que uma toalha que bordei pro meu filho, há 8 anos atrás, está em frangalhos, mas o bordado permanece igual ao dia em que o fiz, só um pouquinho desbotado. E você aí pensando que feministas não podem ser prendadas, hein?

Esta dona de casa não só imperfeita, como também a pior delas, lê nas horas vagas. E estaria tudo dentro da normalidade instituída pelo patriarcado se minhas leituras se resumissem a chick-lit e àqueles romances de banca de revista, os populares Julia-Sabrina-Bianca. Já li, confesso. Mas depois de um certo tempo você não precisa ler nada além da sinopse pra saber exatamente o que vai acontecer à virginal/meiga/linda mocinha e ao misterioso/charmoso/másculo herói, então passa a procurar coisas mais interessantes. Bem, nem todos. Minha mãe e minha tia permanecem fiéis ao estilo (only god can judge).


Eu leio muito sobre feminismo. E direitos humanos. Estas leituras fizeram muita diferença na minha vida, muita mesmo. Consegui me libertar de muitos preconceitos. Consegui enxergar o mundo com outros olhos. Consegui aprender a me colocar no lugar do outro. Consegui entender que a regra de ouro (não faça aos outros aquilo que não quer que seja feito com você) não é tão de ouro assim, já que o que incomoda o outro nem sempre me incomoda, então este não é um parâmetro tão bom. Bom, dizer que consegui aprender é um pouco pretensioso. Digo que estou tentando aprender, é mais verdadeiro. Porque ainda tenho muito o que aprender.

Mesmo com o muito que ainda falta, posso dizer que foi uma grande mudança, motivada não só pelo feminismo, mas pelo olhar mais humanista que o feminismo me ajudou a ter. Ser eu mesma (o que eu vinha fazendo desde que me entendo por gente), ao contrário do que costumam dizer, não foi o melhor conselho. Eu sou resultado de muitos fatores, alguns não eram os melhores, os mais exemplares, adequados ou dignos de admiração. Eu poderia continuar sendo eu mesma, o resultado desse caldo, e creditar meus problemas aos tais fatores; ou poderia tentar mudar e aprender a ser a pessoa que gostaria de ser. Foi o que decidi.


É claro que ainda não sou esta pessoa (falta muito, mas muuuito), mas estou tentando aprender. Não é fácil nem indolor olhar pra mim mesma, identificar tudo de ruim e admitir que preciso mudar. Mas se eu quero um mundo melhor, ora, devo esperar que todo o resto da população resolva um dia ser mais legal, ou devo começar a mudança por mim mesma? Então, sabe aquela frase "pense globalmente e aja localmente"? Não se trata só de reciclagem (#ficadica).


Paralelamente à proposta de tentar ser uma pessoa melhor, tento também combater o que faz do mundo um lugar pior. Aquela velha história de escolher uma causa e lutar por ela. Pois é, a minha é o feminismo, mas não significa que não seja sensível a outras causas. Comecei querendo igualdade para mulheres, mas percebi que, se há igualdade para mulheres, mas não para homossexuais, não há igualdade. Não posso querer um mundo melhor pro meu filho e não querer também pro filho do vizinho. Então, minha causa é a igualdade. No more grupos dominantes no planeta, esta é a meta. É ambiciosa, eu sei. Mas não há plano para dominar o mundo que não comece com um pequeno passo, néam?
Este processo de mudança é doloroso não só porque olhar pra dentro é difícil, mas também porque me aprofundar no tema do sexismo abriu meus olhos, e agora não consigo mais não notar e não me incomodar com o machismo. E o pior é que as pessoas se recusam a aceitar que é machismo! "É só uma piada", sabe? Véi, naboua, nénão. É zombaria, é propagação de estereótipos, é ignorância, é MACHISMO. Porque o povo acha que machista é só neandertal que cata mulher com tacape e a leva pra caverna arrastada pelos cabelos, e não os idiotinhas de internet tipo Testosterona ou compartilhadores de Facebook. Eu, machista? Credo você é muito radical, nem posso fazer uma piadinha!


Como não posso injetar feminismo no cérebro das pessoas para que possam enxergar a realidade, eu tento explicar. Digo que aquilo é ofensivo, e porque é. Imagino que eu tenha autoridade pra falar sobre assunto, né, eu que sou mulher e sou o alvo das piadinhas. Mas não. Aparentemente, as pessoas se sentem no direito de julgar o que eu posso considerar como ofensa. Rola tipo uma listinha-de-motivos-pelos-quais-acho-que-as-pessoas-podem-se-sentir-ofendidas. Caso sua queixa não se encaixe ali, o cara diz "opa, aí, foi mal, mas você não tem o direito de se sentir ofendida com isso. Vou continuar fazendo minhas piadinhas, pare de mimimi e vá lutar contra a fome na África". O pior é que ninguém me deixa ver a listinha, sabe? Fico tão perdida!


Eu não perco a fé na humanidade porque sei, por experiência própria, que pessoas são capazes de mudar. Eu já fui esse cara, o da listinha. Eu já bati no peito com orgulho pra dizer que era politicamente incorreta. Eu já fui do tipo "Rafinha, tamo junto!". Pode me julgar, eu sei que mereço.


Foi com muita leitura e reflexão que consegui perceber que não quero ser esse tipo de pessoa, porque este não é o tipo de pessoa que faz do mundo um lugar melhor. Eu não quero ser alguém que, por não ter por que lutar, por estar em uma posição privilegiada (hello, homem-branco-hetero!), se acha no direito de decidir o que é ofensivo e o que não é. Se eu não sinto na pele, não posso questionar. É muita arrogância tentar questionar a causa do outro. Eu sou branca, então o que posso saber sobre ser alvo de discriminação racial? Sou hetero, o que posso saber sobre ser alvo de homofobia? Sou classe média, o que posso saber sobre sofrer preconceito por classe social? Só posso saber quando alguém, que sofre na pele, tem a bondade e a paciência de me explicar por que se sente ofendida. E eu posso pedir desculpas e me esforçar pra não repetir. Ou posso dizer que não abro mão do "direito" de me expressar do jeito que achar melhor, ainda que isso ofenda pessoas, como o cara da listinha.


Fiz uma escolha e convivo com ela. Sei que muitas pessoas me achavam super divertida porque eu não tinha o menor pudor em zombar das pessoas, propagar estereótipos e preconceitos, e que agora me acham chata e patrulhenta. Paciência. Assumo as consequências de ser quem eu sou. Para estar mais feliz comigo mesma abdico da amizade de alguns (considerando que seja amigo quem não te aceita como é e tenta te calar). E não posso abrir mão de ser respeitada como alguém que pensa, que é capaz de fazer escolhas inteligentes e que tem capacidade analítica suficiente pra julgar a realidade só para continuar sendo legal e divertida. Não faço mais piadas ofensivas, e não quer ser alvo delas. Se você insiste em fazê-las e eu digo que isso ofende o grupo ao qual pertenço, e minha reivindicação é menosprezada por não se encaixar na listinha-de-motivos-pelos-quais-as-pessoas-podem-se-sentir-ofendidas, estou sendo desrespeitada. E lamento, mas não respeito quem não me respeita. E não é porque eu me dou ao respeito que o mereço. Respeito é um pressuposto básico nas relações entre seres humanos, não importa a idade, sexo, cor, tamanho da saia, circunferência da coxa ou número de parceiros sexuais. Se você só respeita quem "se dá ao respeito", sinto informar, você é um babaca. Estou sendo dura? Bom, as qualidades que vejo atribuídas a mim em suas piadinhas também são: burra, fútil, interesseira (pra ficar só nas mais leves). E eu nem tenho direito de reclamar, porque minha solicitação não tá na listinha. Pra você ver como num tá fácil pra ninguém.


PS - Pessoas mais legais e inteligentes escreveram muito melhor do que eu sobre isso aqui e aqui.

domingo, 3 de junho de 2012

Nossos políticos nos representam muito bem*

Estamos muito acostumados a sair bradando nossa indignação contra a política atual, às vezes até desejando que uma bomba "limpe" o Congresso, ou conclamando os eleitores para anular o voto nas eleições. Estamos todos tão cansados e descrentes que já nem tentamos lutar, achamos que política e sujeira são sinônimos e que nada pode melhorar, apenas ficar menos pior, dependendo dos eleitos.
Não nos cansamos de admirar como são diferentes os parlamentares de "países desenvolvidos" (quem não viu este vídeo por aí?) e nos consternamos ao perceber que estamos tão longe desta realidade. Ás vezes até tentamos nos mobilizar, propagando que o nosso voto faz a diferença, que nas próximas eleições temos que nos informar, mas... isso dá tanto trabalho, e afinal de contas, só um voto não faz diferença, né?
Né. Nosso voto não faz diferença, porque a verdade é que estamos votando direitinho. Estamos escolhendo exatamente os políticos que nos representam, que mostram como somos de verdade. Somos assim: antiéticos, aproveitadores, espertos (no mau sentido), acostumados a dar um jeitinho pra nos safar dos problemas e nos orgulhar disso. Nós achamos absurdos os privilégios dos políticos, mas não admitimos nunca abrir mão dos nossos, por mais que saibamos que não temos direito a eles.

Nós admiramos a truculência da polícia em filmes e na vida real, expulsando os pobres do Pinheirinho e descendo o sarrafo nos estudantes maconheiros, mas ficamos indignados quando um amigo é abordado numa blitz com essa mesma truculência;

Ficamos irritados com a arrogância dos políticos, mas basta termos um cargo um pouquinho acima na hierarquia para tratarmos os subalternos como cachorros;

Somos contra o aborto, mas essa é a solução que sugerimos quando nosso filho adolescente engravida a namoradinha;

Achamos absurda a discriminação que os jogadores brasileiros sofrem no exterior, mas se vemos um negro de terno na porta de um restaurante, achamos que é o manobrista;

Protestamos contra a impunidade dos políticos, mas sempre recorremos das multas que levamos, até daquelas que sabemos que merecemos;

Xingamos os políticos e artistas que se recusam a passar pelo bafômetro, mas recorremos ao twitter para nos safar da blitz;

Somos contra a descriminalização da maconha, mas fumamos unzinho só pra relaxar.

Achamos que não há o menor problema em ter crucifixos nos órgãos públicos, mas reclamamos quando aparece um despacho perto de casa;

Somos contra a homofobia, desde que não apareça nenhum casal de viados se beijando na nossa frente;

Não queremos uma estação de metrô nas proximidades, pra não atrair gente diferenciada, mas exigimos que a empregada chegue no horário, não importa quantos ônibus ela tenha que pegar;

Deixamos os gringos pensarem que somos um povo alegre e cordial, mas vamos pra internet ameaçar as pessoas com idéias diferentes das nossas, de forma anônima;

Somos contra a distribuição de camisinhas nas escolas, mas temos um enfarto quando nossa filha adolescente engravida (e, claro, pagamos por um aborto clandestino, mas continuamos sendo contra o aborto!);

Ficamos indignados com a política de "uma mão lava a outra" do Congresso, mas se somos pegos de calça curta, ligamos praquele procurador amigo do nosso primo, pra quebrar nosso galho;

Estamos de acordo que o feminismo nem precisa mais existir, que as mulheres já são tratadas com igualdade, mas se uma delas se atrapalha no trânsito, somos os primeiros a gritar "volta pro fogão, Dona Maria!"

Choramos vendo os depoimentos dos torturados na ditadura, mas seguimos achando que nem foi tããão ruim assim, que foi uma ditabranda, coitados dos militares, se não torturassem os presos iam perder seus empregos;

Cansamos de falar que as mulheres tem direitos iguais, que conquistaram seu espaço, mas chamamos de puta e quase linchamos uma estudante que resolve se vestir com um vestido curto;

Apoiamos a tentativa da bancada evangélica de ditar regras e leis de acordo com suas convicções religiosas, mas ficamos muito incomodados com os mórmons batendo na porta de casa tentando nos converter à sua religião;

Choramos com o drama da mocinha da novela que ficou tetraplégica, pelas dificuldades que ela enfrenta, mas estacionamos na vaga de deficientes só um minutinho;

Protestamos contra um suposto estupro em um reality show, mas rimos do indivíduo que acha que mulher feia deveria agradecer por ser estuprada;

Ficamos chocados com as propinas e caixas 2 nas campanhas, mas temos sempre um agradinho pro seu guarda nos liberar numa boa;

Reclamamos do "povo dos Direitos Humanos", mas nos emocionamos com os filmes gringos que mostram pessoas quase executadas injustamente, salvas da injeção letal no último minuto graças ao empenho do povo dos Direitos Humanos.

Então é assim: a gente fala mal dos políticos, mas não olhamos pro próprio umbigo. Com que moral exigimos ética na política, se a gente não tem no dia a dia?

“Querer-se livre é também querer livres os outros”
Simone de Beauvoir

* post inspirado por este vídeo.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O pior tipo de vizinho

Todo mundo reclama dos vizinhos, no Facebook, no twitter, na fila do pão. Tem o que não limpa o cocô do cachorro, o que rouba um pedaço da sua vaga na garagem, o que tumultua a reunião do condomínio. Mas o mais odiado é, disparado, o vizinho pagodeiro. Nunca falha, tem sempre alguém criticando os gostos musicais da vizinhança. E os pagodeiros, coitados, são sempre os mais lembrados, esses injustiçados. Não que eu tenha passado pro time, nada disso! Mas é preciso reparar essa injustiça com os pobres: vizinho pagodeiro não é, nem de longe, tão terrível quanto o verdadeiro e único pior vizinho do mundo (que, por acaso, é o meu): o cozinheiro de mão cheia.
Gente, essas criaturas são maléficas, vocês não tem noção! Como posso sobreviver a esta tortura? Como lidar com pessoas que assam pernil em plena quinta-feira à noite, enquanto tudo que você tem pra comer em casa é a sobra do almoço de hoje, que por sua vez foi a sobra do almoço de ontem?
Estas criaturas cruéis, sádicas e sem amor no coração não se importam em perfumar todo o condomínio com o cheiro das mais deliciosas comidas, a qualquer hora do dia ou da noite, matando geral de vontade de provar um pedacinho que, é óbvio, não será oferecido. Malditos!
Ontem uma alma maligna vizinha resolveu assar pão de queijo em plena tarde de feriado. E gente, eu disse assar? Não é que ela comprou o pacotinho da Pif Paf e botou no forno, como faria a creusa que voz fala. Ela comprou o polvilho, o ovo, o leite, o óleo e o queijo curado (mas muuuito queijo), fez a massa, melecou a mão de oleo e fez as bolotinhas que colocou no forno e assou, tal e qual sua avó faria. E o cheiro se espalhou por todo o quarteirão!!! Um cheiro maravilhoso, de infância, de casa de vó, de primos em volta da mesa, de tarde de inverno... Enquanto isso, na mesa de café da tarde creusística tínhamos pão, margarina (e não manteiga), café e leite (yes, this is sparta). Comofas????
Desconfio que esta pessoa seja a mesma que faz café to-dos-os-di-as às 7h da manhã. Justamente na hora que saio para levar ascriança e passo na porta da casa da pessoa. Daí vocês, leitores (sobrou alguém?) perguntarão por que cargas d'água eu não passo um café, tão simples, rápido e fácil. Mas eu passo. É que nunca, marrnunca que o cheiro do meu café fica sequer parecido com o da vizinha, aquela sádica.
E preciso mencionar os dias em que meu olfato identifica torta, carne assada, lasanha e até, pasme!, biscoitinho frito de polvilho?
Toda essa orgia gastronômica acontecendo nos arredores, aromas invadindo meu apartamento e cadê que recebo um topoér com o restinho da janta? Como sofro!
E vocês aí, reclamando do pagodeiro... Francamente! Bota um fone de ouvido, oras! Quero ver tampar o nariz enquanto a vizinhança resolve testar as receitas da Ana Maria Braga. Humpf!

quarta-feira, 14 de março de 2012

Gente, sumi, voltei, não vamos nos alongar tá?
Então, eu mal saio de casa, e nada me acontece que eu ache digo de contar aqui, mas aí lembrei do cara da escolinha de futebol... Gente, sabe cara escroto? ES-CRO-TO. Primeiro eu notei o filho dele, que estava na quadra perdidão, total falta de jeito com futebol. Mas até aí tudo bem, criança, né, não tem que saber jogar, tá lá pra aprender. Mas a questão é que ele estava totalmente tenso, não sabia se olhava pra bola ou pro pai na arquibancada, e aí claro, errava passe, perdia a bola... Numa dessas, o pai grita "porra, fulaninho, perder uma bola dessas, brincadeira!!" Gente, oi? O menino na primeira aula de futebol e cara cobrando como se fosse o Ronaldinho no Flamengo. Aí é claaaaro que fui botar reparo na dinâmica familiar e analisar (comunidade Devia ter feito psicologia: 1 membro). O menino absolutamente inseguro, a cada passe ele olhava pro pai com cara de acertei, papai?, tenso, sem o menor jeito pra jogar, os colegas meio impacientes porque ele não conseguia se concentrar no jogo e errava um monte... O pai, a cada erro do filho, soltava um "porra, fulaninho"... Tanta dó desse menino! E quando o filho do neandertal não estava jogando, sabe o que rolava? Criatura se enturmou com outro ogro e ficavam numas de "minha cobertura é mais cara que a sua", "meu carro é mais potente que o seu", juro.por.deus. Saquinho de vômito, cadê?
Um dia o ogro coadjuvante não veio e o pai do pobre menino tentou se enturmar com a mãe de outro menino. Ela saiu de perto dele e veio puxar papo comigo (e gente, alguém vir falar comigo é um ato de desespero imenso, pq eu boto um óculos e fico lendo livro com um neon vermelho na minha testa piscando DO NOT DISTURB), falando "olha, vou ficar aqui com vc, pq neandertal tá puxando papo comigo e eu não dô conta", aí resolvi socializar e falei "really? sabe q eu reparei q os papinhos dele não são dos mais agradáveis?" e ela "pois é, só fala de carro e cobertura, e trata esse menino muito mal, certeza que ele obrigou o filho a fazer futebol só pra mostrar pros outros que ele é macho" "vc acha???" "certeza! e olha, torço pro menino ser viado, vai ser um castigo e tanto pro pai nojento" Olham, juro que eu queria ser uma pessoa com deus no coração e falar "que isso, fulana, não fala assim" mas, né, concordei total!

E essa mesma mãe outro dia veio conversar comigo sobre qualquer outra coisa e papo vai, papo vem, falo que sou do interior, que tive filho nova, e ela já cria todo um filme na cabeça, pensando que me casei com o primeiro e único namorado (oi??? realidade mandou um postal do Alaska). Adoro as pessoas me verem de óculos e livro e pensarem que sou noivinha-virgem-casando-com-namoradinho-da-quinta-série... Querida, it's Livia, bitch!

***

Isso me fez lembrar das pessoas com quem já disseram que sou parecida, vai vendo: Mel Lisboa, Sheila Carvalho e Priscila Pires. Todas.capa.da.playboy. Teria eu cara de piriguete? Ou de noivinha virgem do interior? Seria eu tipo Super-homem?  De óculos, Clark Kent, sem óculos, homem de aço? Reflitão...

Engraçado que sempre frisavam que era O ROSTO que parecia, tipos, o corpo tá bem longe, viu, fia? Como se eu não soubesse, tenho espelho de corpo inteiro em casa, tá?

***

Eu nem julgo a mulher que inventou uma vida pra mim na cabeça dela pq, sabe, faço isso to-da-ho-ra, mas nem falo pra ninguém, que não sou louca. Por manter os pensamentos guardados na cabeça é que ainda tenho amigos nesse mundo. Se nego soubesse o que se passa aqui dentro, caras, meu cérebro estaria sendo dissecado num hospital-escola por vários neurologistas e psiquiatras que estariam se perguntando "por que, meodeos, por que??????"

***

Queria muito dar uma de doida e sair falando "meu cu!" pra geral, mas recalque? Entrei na fila 3 vezes. Além do mais, tenho filho, não posso dar mal exemplo (filhos: tolhendo sua liberdade de expressão desde o nascimento). De modos que se vocês virem uns palavrões por aqui não se espantem, eu não posso falar, e só pensar não tá me bastando.

***

Facebook é vida, e amigos que dividem as bagaceiras da internet com você são luz! A Ana me manda o link pra isso aqui, e olha, chega um momento da sua vida que palavras não conseguem descrever a força do sentimento de vergonha alheia. Já é nesse mês que o mundo acaba? Pq, tipos, uma das sete pragas do egito já chegou. Eu só consigo pensar: vergonha de ir na padaria de shortinho sem depilar a perna? Nunca mais. O que é você por aí com a perna cabeluda diante dessa criatura com a cara cor de tijolo baiano? Gente, sério, nem jesus na causa. Demora muito pra chegar o meteoro que vai nos extinguir? Tô contando as horas.


sábado, 31 de dezembro de 2011

Balanço geral

Em 2011 eu:

- fiquei desempregada
- me ferrei
- deixei de ouvir muitos nãos (porque nem chegava nessa fase, já era descartada antes)
- passei no vestibular de uma federal
- já nos 45 do segundo tempo, tive uma DR bem difícil
- percebi que a saúde não é mais a mesma
- vi meu filho ficar cada vez mais parecido comigo
- vivi novamente o pesadelo de ser dona de casa
- fiz meu cabelo voltar ao normal
- admirei mais ainda a generosidade do maridón
- comecei um blog
- descumpri a promessa de escrever todos os dias no blog
- conquistei 5 leitores (se é que nenhum se perdeu pelo caminho)
- vi meu filho ganhar o campeonato de futebol
- me afastei de alguns amigos e me reaproximei de outros
- conheci muita gente interessante (até um neto bastardo de meu bisavô, brinks!)
- li coisas por aí que me fizeram repensar todos os meus valores
- passei os últimos 10 meses me preocupando em como sair do buraco negro da minha vida profissional
- tentei abrir um negócio
- li O Memorial do Convento
- li Desventuras em Série com o filhote
- li Bill Bryson
- li Kazuo Ishiguro
- li Jonathan Franzen
- li Carl Sagan
- li a biografia da Maria Antonieta
- li muuuuitos livros
- tentei estudar pra concurso
- vi minha família se reconfigurar
- passei a gostar cada vez mais do meu corpitcho totalmente original de fábrica (exceto por uma trompa que se foi...)
- aprendi a questionar mais e a desconfiar das "verdades" que a mídia propaga
- topei com gente muuuito inteligente, e gente muuuuito burra
- tentei descobrir um caminho pra conseguir trabalhar com algo que gosto (e não consegui)
- senti saudades de coisas que nem vivi
- lamentei não ter me jogado no mundo quando não tinha o que perder
- desejei ter feito tudo diferente
- percebi que me transformei em algo que nunca quis ser (e que isso me fez feliz)
- me decepcionei muito, muito, muito, comigo mesma e com os outros
- me esforcei pra tentar ser uma pessoa melhor
- gastei mais do que podia
- conheci a cidade de Mariana (e tive uma das noites mais bem dormidas da vida)
- dancei até cair na festa de casamento do meu irmão
- ri muito
- chorei muito
- desejei voltar a uma situaçao que já vivi e não gostei só pra tentar sair da situação atual
- encontrei uma pessoa que estava realmente disposta a me ajudar, mesmo me conhecendo tão pouco
- encontrei pessoas dispostas a me ferrar, sem nem me conhecer
- li um livro inteirinho em espanhol (ok, era em quadrinhos)
- negligenciei a limpeza da cozinha até não ter vontade de voltar lá nunca mais
- me culpei por ter errado na educação do filhote e por não ser um exemplo melhor de pessoa pra ele
- raspei a lateral do carro no portão
- completei 12 anos de casada e 10 de maternidade
- competei 32 anos (com corpinho de 31 e idade mental variando entre 13 e 56 anos)
- comecei e larguei um trabalho em menos de 1 mês
- peguei 17 livros na biblioteca pública

Em 2012 eu quero:

- ganhar na mega sena

bjomeligaquandomeusnúmerosforemsorteados!