Estamos muito acostumados a sair bradando nossa indignação contra a política atual, às vezes até desejando que uma bomba "limpe" o Congresso, ou conclamando os eleitores para anular o voto nas eleições. Estamos todos tão cansados e descrentes que já nem tentamos lutar, achamos que política e sujeira são sinônimos e que nada pode melhorar, apenas ficar menos pior, dependendo dos eleitos.
Não nos cansamos de admirar como são diferentes os parlamentares de "países desenvolvidos" (quem não viu este vídeo por aí?) e nos consternamos ao perceber que estamos tão longe desta realidade. Ás vezes até tentamos nos mobilizar, propagando que o nosso voto faz a diferença, que nas próximas eleições temos que nos informar, mas... isso dá tanto trabalho, e afinal de contas, só um voto não faz diferença, né?
Né. Nosso voto não faz diferença, porque a verdade é que estamos votando direitinho. Estamos escolhendo exatamente os políticos que nos representam, que mostram como somos de verdade. Somos assim: antiéticos, aproveitadores, espertos (no mau sentido), acostumados a dar um jeitinho pra nos safar dos problemas e nos orgulhar disso. Nós achamos absurdos os privilégios dos políticos, mas não admitimos nunca abrir mão dos nossos, por mais que saibamos que não temos direito a eles.
Nós admiramos a truculência da polícia em filmes e na vida real, expulsando os pobres do Pinheirinho e descendo o sarrafo nos estudantes maconheiros, mas ficamos indignados quando um amigo é abordado numa blitz com essa mesma truculência;
Ficamos irritados com a arrogância dos políticos, mas basta termos um cargo um pouquinho acima na hierarquia para tratarmos os subalternos como cachorros;
Somos contra o aborto, mas essa é a solução que sugerimos quando nosso filho adolescente engravida a namoradinha;
Achamos absurda a discriminação que os jogadores brasileiros sofrem no exterior, mas se vemos um negro de terno na porta de um restaurante, achamos que é o manobrista;
Protestamos contra a impunidade dos políticos, mas sempre recorremos das multas que levamos, até daquelas que sabemos que merecemos;
Xingamos os políticos e artistas que se recusam a passar pelo bafômetro, mas recorremos ao twitter para nos safar da blitz;
Somos contra a descriminalização da maconha, mas fumamos unzinho só pra relaxar.
Achamos que não há o menor problema em ter crucifixos nos órgãos públicos, mas reclamamos quando aparece um despacho perto de casa;
Somos contra a homofobia, desde que não apareça nenhum casal de viados se beijando na nossa frente;
Não queremos uma estação de metrô nas proximidades, pra não atrair gente diferenciada, mas exigimos que a empregada chegue no horário, não importa quantos ônibus ela tenha que pegar;
Deixamos os gringos pensarem que somos um povo alegre e cordial, mas vamos pra internet ameaçar as pessoas com idéias diferentes das nossas, de forma anônima;
Somos contra a distribuição de camisinhas nas escolas, mas temos um enfarto quando nossa filha adolescente engravida (e, claro, pagamos por um aborto clandestino, mas continuamos sendo contra o aborto!);
Ficamos indignados com a política de "uma mão lava a outra" do Congresso, mas se somos pegos de calça curta, ligamos praquele procurador amigo do nosso primo, pra quebrar nosso galho;
Estamos de acordo que o feminismo nem precisa mais existir, que as mulheres já são tratadas com igualdade, mas se uma delas se atrapalha no trânsito, somos os primeiros a gritar "volta pro fogão, Dona Maria!"
Choramos vendo os depoimentos dos torturados na ditadura, mas seguimos achando que nem foi tããão ruim assim, que foi uma ditabranda, coitados dos militares, se não torturassem os presos iam perder seus empregos;
Cansamos de falar que as mulheres tem direitos iguais, que conquistaram seu espaço, mas chamamos de puta e quase linchamos uma estudante que resolve se vestir com um vestido curto;
Apoiamos a tentativa da bancada evangélica de ditar regras e leis de acordo com suas convicções religiosas, mas ficamos muito incomodados com os mórmons batendo na porta de casa tentando nos converter à sua religião;
Choramos com o drama da mocinha da novela que ficou tetraplégica, pelas dificuldades que ela enfrenta, mas estacionamos na vaga de deficientes só um minutinho;
Protestamos contra um suposto estupro em um reality show, mas rimos do indivíduo que acha que mulher feia deveria agradecer por ser estuprada;
Ficamos chocados com as propinas e caixas 2 nas campanhas, mas temos sempre um agradinho pro seu guarda nos liberar numa boa;
Reclamamos do "povo dos Direitos Humanos", mas nos emocionamos com os filmes gringos que mostram pessoas quase executadas injustamente, salvas da injeção letal no último minuto graças ao empenho do povo dos Direitos Humanos.
Então é assim: a gente fala mal dos políticos, mas não olhamos pro próprio umbigo. Com que moral exigimos ética na política, se a gente não tem no dia a dia?
“Querer-se livre é também querer livres os outros”
Simone de Beauvoir
* post inspirado por este vídeo.
Sem mais ... Divulgarei!
ResponderExcluirAna.
:-)
ExcluirE é esse o país de dimensões continentais - hipocrisias idem!
ResponderExcluirE continuamos segregando em minorias cada vez mais específicas porque ao invés de globalizar o pensamento, globalizamos o ego.
É, Louis, tolerância ainda não ensinam na escola, porque imagina!, vai influenciar as crianças...
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