terça-feira, 16 de outubro de 2012

Quem me viu, quem me vê

Confesso que leio horóscopo. Eu sei, não faz sentido, a ciência já cansou de provar que não há nada que comprove a relação dos astros com nossas vidas e que é uma contradição uma atéia humanista ler horóscopo. Mas veja bem, eu disse que leio, não que acredito. É um guilty pleasure, me faz bem ler sobre o que vai acontecer comigo, ainda que eu não creia que vá acontecer de verdade.
Coincidência ou não, algum tempo atrás li que a passagem de Saturno pelo meu signo era o prenúncio de um período difícil e cheio de aprendizado, que começaria em outubro de 2009 e terminaria em outubro de 2012. Preciso dizer que foi um período difícil e cheio de aprendizado? Neste intervalo, tomei consciência da exploração a que era submetida no trabalho, me revoltei, mudei de casa, me endividei consideravelmente com a mudança, paguei as dívidas, fui demitida do emprego, passei em 2 vestibulares e voltei a estudar. Claro que não deixei de ser a loser de sempre, neste quesito não houve nem um milímetro de mudança, mas fala se não foi um chãozinho que andei? E tudo isso pra dizer que mudança, mudança meeeeeesmo, foi do lado de dentro. Nada se compara ao caminho percorrido internamente que me fez repensar a vida, o universo e tudo mais (Douglas Adams diz que a resposta é 42). Apenas com a ajuda da internet, de blogs e pessoas dispostas a interagir com outras pessoas para divulgar e debater suas idéias pude  me transformar completamente, algo comparado à mudança proporcionada por fazer uma faculdade pela primeira vez. Não sei se Saturno tem algo a ver com isso, só sei que foi assim.

Tudo começou quando saí do emprego me sentindo lesada e injustiçada, com ódio de algumas pessoas que fui obrigada a aturar, desejando que um meteoro caísse bem no meio do escritório e matasse todos esturricados. Eu não parava de pensar naquelas pessoas, queria esquecer e pensar em outra coisa, mas não conseguia, mesmo sabendo que aquilo estava me fazendo mal. De longe, comecei a entender que o sistema doentio a que estávamos submetidos estava entranhado, e tudo que eu achava ridículo nas pessoas de lá estava sendo reproduzido por mim. Eu estava contaminada.

O primeiro passo foi reconhecer que eu tinha me tornado uma pessoa ruim. Não foi o ambiente que me transformou, eu estava sendo este tipo de pessoa há mais tempo, era resultado de minha alienação, falta de reflexão e de senso crítico. Muita leitura da Veja, total ignorância dos privilégios que tinha e uma infinita e desavergonhada disposição para julgar os outros. A arrogância não me deixava enxergar o quanto eu era limitada, o quanto apenas vomitava preconceitos e senso comum achando estar sendo A Pessoa Crítica.

O vetor de tantas mudanças foi o feminismo. Graças ao blog da Lola, depois a um grupo no Facebook que foi criado a partir de leitoras da Lola, e a muitas feministas que escrevem seus blogs para ajudar tantas pessoas a conhecer e a entender melhor o conceito de igualdade. O feminismo, para mim, foi um grande divisor de águas porque me deu uma visão mais crítica não só a respeito do sexismo, mas também da homofobia, do racismo, e de todos os preconceitos em geral. Combater um preconceito te deixa com olhos treinados para enxergar os outros. Além disto, questionar o status quo melhora a capacidade de analisar criticamente os fatos, o que significa poder compreender melhor as "entrelinhas". Nunca nem pensei em criticar o capitalismo, nem em discutir política ou questionar as informações que chegam a mim através da grande imprensa, mas não é que acabei me aventurando por estes caminhos? Agora já não consigo ler a Veja sem dar risada ou me revoltar, porque o que antes eu julgava imparcial, hoje vejo claramente que não só é parcial como chega a ser criminoso (vide relações nebulosas da revista com o Cachoeira). Para mim, não dá mais pra viver dibouas, sem me revoltar, porque agora tenho olhos para ver e cérebro pra processar. É como diz aquela famosa frase da Gloria Steinem: a verdade te libertará, mas antes ela vai te enfurecer.

Por conta de todas essas reformulações, ler tudo que eu escrevi aqui antes, perceber meus antigos preconceitos tão escancarados não é nada fácil. Pensei em apagar tudo, desativar o blog e começar outro do zero. Depois pensei melhor e resolvi deixar tudo como está. Quero me lembrar desta mudança, quero poder entender como eu pensava, quero que as pessoas possam perceber como alguém preconceituosa, reaça, elitista, caga-regra, machista e homofóbica pode mudar, pode repensar seus atos, reavaliar suas crenças, seus valores e suas atitudes para com os outros. Não me orgulho de quem eu era ou de como pensava. Mas me orgulho de ter conseguido evoluir a partir de minhas próprias reflexões e inquietações, me orgulho de conseguir entender um pouco melhor o mundo ao meu redor e principalmente, me orgulho de continuar perseverando neste exercício diário que é tentar ser alguém melhor.

Há alguns dias, alguém que amo muito me questionou sobre a militância, disse que por mais que eu seja "radical", a sociedade não vai mudar. O que respondi: "mas eu não quero e nem posso mudar a sociedade. Não tenho esse poder. O que eu quero é mudar uma pessoa. Se esta pessoa puder aprender comigo e mudar, talvez ela consiga mudar mais alguém, e este alguém consegue mudar mais outro... Não dá pra mudar a sociedade, dá pra mudar as pessoas, e este é meu objetivo."

Então continuarei por aqui, com a mesma vida de dona de casa sofrível normal, mas agora com um plus a mais: uma causa.

PS - Vou escrever alguns textos para este blog lindo chamado Mulheres Notáveis, espero que meus 1,5 leitores acompanhem (eu costumava ter 4, mas agora que sou feminista eu espanto as pessoas. Feminismo, fazendo você se sentir como o Godzilla desde o século XIX). Minha estréia: Lina Bo Bardi. Não deixem de ler tudo, é muito bom!



12 comentários:

  1. Olha, com a sua ajuda eu descubro o quão vazia, podre e superficial eu sou, a cada dia que passa.
    (E obrigada por isso)

    Sabe a fase da revolta?
    - Até conhecí uma micro parte da verdade! MAS - eu sou assim, o mundo é assim e não vai mudar ... Só me resta sentar e lamentar?
    Estou nela.

    Tento me conformar (com as dores) acreditando que essa é uma das primeiras fases desse "abrir dos olhos", desse Libertar da frase da Steinem. Espero racionalmente que eu esteja certa.
    Mudar os conceitos dói, rever os valores machuca. Mas qualquer dor é melhor do que a mentira de viver em uma linda podridão cor de rosa.
    Eu ACHO.

    Parabéns pelo seu crescimento, Livia! Se torna mais fácil acreditar na mudança vendo ela estampada na cara de uma amiga.
    =)

    Ana.
    (Leitora número 0,5 dos 1,5.)

    rs

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    1. Ana, seu pensamento deveria ser: se até A LIVIA (gente, A-Li-VI-A) conseguiu aprender um cadinho, qualquer pessoa consegue. Se pá, até um cágado.

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  2. Me identifiquei bastante pois estou passando por este processo que você já passou... É como se livrar de velhas correntes que só nos puxam pra trás =) E eu também tenho me julgado, pois apesar de saber que aquilo não estava certo eu julgava as pessoas, era homofóbica, preconceituosa, machista... Agora tenho me sentido cada mais leve porque entendi onde estava errado!

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    1. É chato ler os textos anteriores, dá aquela vergonha nivel master mesmo, mas quando eu leio e identifico ponto a ponto o que estava errado, dá uma leveza de saber que soltamos as correntes, bem como você falou!

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  3. Acabei de ver um link pro seu blog lá no blog da Lola.. E me sinto exatamente como vc, em relação ao feminismo.
    E oh, se uns se vão, outros vem, viu? Olha eu aquiii! \o

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  4. Me identifiquei muito com o texto. É tão chato olhar para trás e perceber as bobagens que dizíamos/pensávamos. Mas é ótimo olhar para si mesmo e ver que conseguiu se libertar da Matrix rs. É preciso muita coragem para assumir publicamente o quão errado estávamos. Parabéns!

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  5. Acho que todo mundo se sente parecido quando "vê a luz": dá vergonha, dá tristeza de pensar que não vai dar pra continuar no mesmo rolê, que algumas pessoas não terão mais espaço na sua vida, mas não dá pra voltar atrás depois que começamos essa jornada. E assumir os erros não é questão de coragem, mas sim de aceitação: nos aceitar, nos perdoar pelo que fomos e seguir sabendo que ainda vamos errar muito, mas estamos aí na vida pra aprender :-)

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