Há algum tempo escrevi este texto para submetê-lo à avaliação visando uma vaga num curso de pós-graduação. Depois caí na real e percebi que tinha feito um post, e não o texto nos moldes solicitados, e escrevi outra coisa. Claro que não passei na pós (até passei, mas numa classificação beeeem longe), mas não sei por que mantive este textinho aqui guardado. Reli e achei que ele fala tanto sobre um processo de mudança por que passei, que decidi publicar.
Uma das primeiras e mais importantes decisões que tomamos na vida, ainda na juventude, é a escolha de uma carreira a seguir. Geralmente este importante passo rumo à vida adulta é dado de forma insegura, permeado por dúvidas, incertezas e desconhecimento tanto das peculiaridades das profissões apreciadas quanto de nossas características pessoais que deveriam ser consideradas. Soma-se a este já complicado momento a pressão para ter um bom desempenho no vestibular e a velha dúvida entre ganhar dinheiro sendo um profissional de status ou ter satisfação pessoal com uma carreira pouco reconhecida, e então temos variantes suficientes para dificultar de forma sobre-humana a tarefa, tornando-a algo comparável a um dos doze trabalhos de Hércules.
Eu, que não sou filha de Zeus, infelizmente não consegui triunfar em minha tentativa. Uma limitadíssima visão de mundo, que nem o vício em literatura conseguiu corrigir, me impediu de enxergar o que era notório desde a infância: o amor pelos livros, a incessante curiosidade e o especial apreço pelos professores eram importantes pistas a indicar um caminho. Ainda assim, eu não enxerguei. Mais do que isso: eu não quis enxergar.
Durante toda a infância e adolescência, morando em uma minúscula cidade do interior de Minas Gerais, observando o desenrolar da vida das pessoas e a perspectiva sexista de carreiras a seguir (homens: fazendeiros, mulheres: professoras), quis fugir dos destinos pré-determinados de acordo com o gênero e decidi não voltar a viver ali. Assim, escolhi uma carreira que, segundo minhas observações, não teria futuro naquela cidadezinha: arquitetura. No final dos anos 90, não havia nenhum arquiteto por lá. Certamente, eu pensava, é uma profissão muito sofisticada para um lugar tão simplório. Se eu me tornasse arquiteta, não teria como voltar a morar ali, pois não teria trabalho. Sendo assim, profissão escolhida.
Não posso dizer que a escolha foi de todo ruim, porque estudar História da Arte e conhecer a vida e as obras de mestres como Van Gogh e Gaudí foi mais que uma dádiva para a garota de horizontes limitados que eu era. Mas aprender a desenhar e a lidar com as técnicas de perspectiva e ergonomia foi o choque de realidade necessário para entender que eu tinha feito a escolha errada.
Alguns anos de trabalho em profissões genéricas para as quais não era necessário muito talento, a decepção com um mercado de trabalho cujos valores ignoram e massacram a figura humana como sujeito que pensa, sente e sofre, além de um período de profunda reflexão e autoconhecimento após uma demissão foram a base necessária para que um novo caminho começasse a se delinear. Um caminho onde minhas leituras e curiosidade natural não fossem ignorados ou desvalorizados. Um caminho onde meu conhecimento e visão de mundo (a esta altura, já bastante ampliada) pudessem atuar de forma a ampliar os horizontes de outras pessoas. Um caminho que me permitisse lançar sementes para que um futuro melhor seja possível. Este novo caminho, finalmente enxerguei, era a educação.
E assim, estou aqui, não abandonando o sistema, mas tentando ser aquela pecinha defeituosa que insiste em desestabilizar a máquina, parafuso por parafuso.